O inimigo interno: como o SARS-CoV-2 usa nossas próprias proteínas para infectar nossas células

Roger Granet , Information Scientist, CAS

Viral spike-protein structure depiction

Um passo crítico na corrida para desenvolver tratamentos para a covid-19 é que os cientistas obtenham uma compreensão clara de exatamente como o vírus entra nas nossas células. Esse insight dará suporte ao desenvolvimento de tratamentos antivirais direcionados, com foco no bloqueio dessa via.

Pesquisas sobre o primeiro vírus SARS-CoV, que surgiu em 2002 causando uma epidemia, bem como sobre o SARS-CoV-2, o coronavírus relacionado que agora está causando a covid-19, mostra que, nos dois casos, uma proteína spike (S) que se projeta da membrana viral se liga a pelo menos uma proteína, a enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2), na superfície das células humanas. Após a ligação, as proteases, enzimas humanas que cortam outras proteínas em pedaços, cortam ou “preparam”, a proteína spike para remover seu segmento externo, denominado S1, e revelar o segmento interno, denominado S2. O segmento S2 da proteína spike causa então a fusão da membrana viral com as membranas das células humanas, permitindo que o material genético viral entre na célula e comece a se replicar. Um post recente resumiu esse processo destacando o papel da ACE2. Neste post, entrarei em mais detalhes sobre o papel que as proteases humanas desempenham em ajudar o vírus a entrar em nossas células e destacar os tratamentos antivirais que visam essa interação.

 

 

A proteína spike do SARS-CoV-2: um conto de dois segmentos

A proteína spike do SARS-CoV-2 tem a forma de um parafuso com uma cabeça maior e uma haste mais longa e mais fina (Figura 1). Três proteínas spike se unem para formar um trímero, que tem a forma, previsivelmente, de um parafuso maior. O talo é inserido na membrana viral e mantém a cabeça afastada do vírus. A região maior da cabeça e parte do pedúnculo são chamadas de região S1 da proteína spike. A parte restante do pedúnculo que está mais próxima da membrana viral é chamada de região S2.

Diagrama de estrutura da proteína spike do vírus
Figura 1: Estrutura da proteína viral spike

 

Uma vez que entra no corpo e entra em contato com o sistema respiratório, trato gastrointestinal, vasos sanguíneos ou outras células que expressam ACE2 em suas superfícies, a região S1 da proteína spike se liga à ACE2 na superfície da célula e amarra o vírus no exterior da célula humana. Este é o primeiro passo no processo de replicação viral.

O SARS-CoV-2 entra nas células de uma forma ou de outra

Depois que o vírus se ligou à célula, ele tem duas vias diferentes de conseguir entrar (Figura 2). Qual via é usada depende se as proteases humanas estão ou não presentes para “preparar” a proteína spike. A presença de proteases depende do tipo de célula humana em que o vírus está entrando e das condições particulares dessa célula. Várias proteases humanas podem clivar a proteína spike, incluindo serina proteinase 2 transmembrana (TMPRSS2), furina, elastase e tripsina. TMPRSS2 é expresso de células pulmonares humanas. Assim, pensa-se que desempenha um papel importante na entrada do vírus nas células do sistema respiratório.

Se essas proteases estiverem presentes perto da interface de ligação spike-ACE2, elas irão clivar a proteína spike para expor a região S2, e especificamente a região do peptídeo de fusão, da proteína spike. Essa região do peptídeo de fusão do spike é feita de aminoácidos mais hidrofóbicos, ou semelhantes a lipídios, e se insere na membrana celular contendo lipídios para induzir a fusão membrana viral–membrana celular e a subsequente entrada do genoma viral na célula (Figura 2a). Esta clivagem deve ocorrer após a ligação spike ̶ ACE2. Se ocorrer antes, o vírus é menos capaz de infectar a célula.

Diagrama das vias de entrada do SARS CoV-2
Figura 2. O SARS-CoV-2 entra por uma das duas vias

 

Se as proteases não estiverem presentes perto da interface de ligação spike ̶ ACE2, o vírus entrará na célula por uma via diferente chamada endocitose (Figura 2b). Nesse processo, os coronavírus ligados às proteínas ACE2 fora da célula são englobados por uma reentrância em uma pequena região da membrana da célula, que então se desprende para formar uma vesícula endocítica que traz o material externo para dentro da célula. Depois que isso acontece, a vesícula endocítica se funde com uma vesícula de membrana intracelular chamada endossoma. No endossoma, existem proteases presentes, incluindo uma chamada catepsina L, que pode clivar a proteína spike e expor sua região peptídica de fusão. O peptídeo de fusão então medeia a fusão da membrana viral com a membrana do endossoma e, assim, induz a entrada subsequente do genoma viral na célula.

Evidências recentes sugerem que pode haver uma terceira maneira pela qual o SARS-CoV-2 pode entrar nas células. Quando o vírus está se replicando e produzindo novas partículas virais dentro das células, algumas das proteínas spike podem ser pré-clivadas, ou pré-preparadas, por uma protease humana chamada furina durante o novo processo de montagem do vírus. Isso significa que, uma vez que o vírus saia da célula, esses vírus com proteínas spike pré-preparadas podem se fundir e infectar outras células, mesmo que essas outras células tenham baixos níveis de proteases presentes em uma das duas vias de clivagem de proteínas spike “normais” descritas acima.

Planejando um contra-ataque

Os pesquisadores estão trabalhando duro em medicamentos que podem ter como alvo o spike ̶ ACE2 ̶ fusão de membrana ̶ endocitose, parte do ciclo de vida da infecção para impedir a covid-19. Nosso post anterior destacou a ACE2 solúvel recombinante como um possível tratamento. Ele funciona inativando a proteína spike antes que o SARS-CoV-2 possa se ligar à ACE2 na superfície das células. No entanto, muitos outros candidatos a medicamentos também estão sendo considerados.

Nafomastat e MI-1851 inibem as proteases envolvidas na clivagem da proteína spike, TMPRSS2 e furina, respectivamente, mostrando potencial para reduzir a infecção por SARS-CoV-2 no tubo de ensaio. Peptídeos, que são proteínas muito curtas semelhantes a pequenas regiões da proteína spike, demonstraram inibir a fusão das membranas das células virais e humanas ao “entupir” a proteína spike do vírus à medida que ela muda de forma durante o processo de fusão da membrana. Isso impede a entrada viral. Finalmente, os inibidores do PIKfyve são bloqueadores conhecidos da infecção por SARS-CoV-2. O PIKfyve é uma quinase lipídica humana, uma enzima que adiciona um grupo de fosfato a lipídios específicos. Como o PIKfyve está envolvido no metabolismo endossomal na via endocítica de entrada viral, os inibidores do PIKfyve têm atividade antiviral.

Estes são apenas alguns dos muitos candidatos a medicamentos que estão em estudos como inibidores de entrada viral do SARS-CoV-2. No entanto, existem muitos alvos disponíveis para pesquisadores que buscam tratamentos para a covid-19. A proteína spike, a ACE2, as proteases que clivam a proteína spike e os componentes da via endocítica são todas possibilidades em estudo, e existem muitas substâncias que possuem atividade antiviral em relação a cada um desses alvos. Para ajudar os cientistas a identificar alguns desses potenciais candidatos mais rapidamente, o CAS lançou um conjunto de dados de código aberto montado a partir do CAS REGISTRY® que inclui medicamentos antivirais conhecidos e compostos químicos relacionados que são estruturalmente semelhantes aos antivirais conhecidos. Saiba mais e baixe-o e outros recursos do CAS covid-19, de acesso aberto aqui.

 

As tendências científicas da pesquisa de canabinoides

Shannon Epling , Content Manager, CAS

cannabinoid compounds as potential therapeutics

Os canabinoides são compostos naturais isolados da planta Cannabis sativa. Os dois canabinoides mais conhecidos são o delta-9-tetraidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD). O THC é o componente psicoativo da Cannabis associado ao “dar barato”. Há uma abundância de informações disponíveis sobre o THC e seus derivados, então este blog está focado em canabinoides menos conhecidos, seus principais benefícios segundo a literatura científica e uma visão mais profunda de suas estruturas químicas.  

Houve um aumento maciço de produtos no mercado contendo CBD: óleos, produtos de beleza e de cuidados com a pele, agentes terapêuticos, bebidas, chocolates, gomas e até petiscos para cães. Este blog não é um endosso de nenhum desses produtos, e é importante observar que a Cannabis é ilegal em nível federal e é uma droga de classe I (EUA). No entanto, como as pessoas estão consumindo esses produtos, que são comercializados principalmente como “suplementos alimentares” e, portanto, não há necessidade de aprovação do Food and Drug Administration (FDA), é crucial entender seu impacto sobre a saúde humana.

Tendências da pesquisa de canabinoides

Usando o canabidiol (CBD) como modelo de canabinoide para investigar a pesquisa atual sobre perspectivas terapêuticas para canabinoides, uma pesquisa rápida no CAS SciFindern produz menos de 5 mil referências.

Tendência em documentos publicados sobre CBD
Figura 1. Este gráfico ilustra por ano de publicação (2000-2021) o número de documentos organizados pelo CAS relacionados à aplicação terapêutica do canabidiol (CBD).  Estatísticas obtidas do CAS SciFinder.

Um mergulho mais profundo nos resultados mostra que os estudos clínicos em humanos compreendem menos de 200 documentos apenas e todos os estudos pré-clínicos (animais, in vivo, in vitro, ADME e in silico) têm menos de 550 resultados. Isso talvez indique uma oportunidade para empresas farmacêuticas, fabricantes de cosméticos, organizações de nutrição e outras empresas avançarem ainda mais na pesquisa de canabinoides em benefício da humanidade.  

Como os canabinoides entram no nosso corpo?

Existem quatro vias principais de administração:

  • Inalação
  • Sublingual
  • Ingestão
  • Tópica

Uma das formas mais populares de consumir canabinoides é fumar material vegetal ou vaporizar um óleo canabinoide, ou seja, basicamente inalação. Quando os canabinoides entram nos pulmões, eles são absorvidos rapidamente e também rapidamente eliminados do corpo. A inalação tende a ser o método preferido para consumir Cannabis.

Outra via de administração é a sublingual, onde óleos ou tinturas contendo canabinoides são colocados sob a língua e absorvidos diretamente pela corrente sanguínea. Este método permite efeitos mais rápidos e duradouros. Os canabinoides também podem ser ingeridos. O corpo metabolizará as formas comestíveis, mas pode levar muito mais tempo para atingir os efeitos desejados. Os canabinoides também podem ser usados como agentes tópicos, como cremes, loções, sprays, adesivos ou bálsamos. A absorção é preferida por pessoas que podem estar tratando músculos doloridos ou problemas de pele. Os canabinoides são absorvidos através da pele diretamente na corrente sanguínea.

Embora o THC seja mais conhecido, uma compreensão mais profunda das estruturas químicas de canabinoides não psicoativos, como CBD, CBG, CBN e CBC e seus efeitos, fornece informações sobre o cenário emergente de produtos.

Canabidiol (CBD)

Estrutura química do canabidiol (CBD)
Figura 2. Estrutura química do canabidiol (CBD) – CAS Registry Number 13956-29-1


Depois do THC, o canabidiol (CBD) é provavelmente o canabinoide mais conhecido. O CBD é derivado diretamente da planta de cânhamo e não possui atividade psicoativa. A legalidade da CBD está em constante mudança e cada estado (dos EUA) tem uma legislação em constante evolução que regula a CBD. A Faculdade de Medicina de Harvard reconhece que o CBD pode ser usado para tratar ansiedade, insônia, dor crônica, artrite e dependência. Mais importante ainda, o CBD é um componente de medicamentos aprovados pelo FDA para tratar doenças epiléticas graves na infância (ex. Epidiolex). Os principais efeitos colaterais do CBD são náusea, fadiga e irritabilidade. Lembre-se, os produtos que contêm CBD não são regulamentados pelo FDA e podem conter impurezas e dosagens desconhecidas. Tenha cuidado e sempre compre produtos com CBD de fontes confiáveis.

Canabigerol (CBG)

Estrutura química do canabigerol (CBG)
Figura 3. Estrutura química do canabigerol (CBG) – CAS Registry Number 25654-31-3


Embora o CBG tenha sido descoberto em 1964, é usado com menos frequência do que o CBD ou o THC porque é encontrado em concentrações muito baixas na planta Cannabis. O CBG interage com os receptores de canabinoide no nosso corpo, especificamente CB1 e CB2. Quando o CBG se liga a esses receptores, ele aumenta os neurotransmissores que afetam a motivação, o apetite, o sono, o prazer e a dor. O CBG também pode afetar a serotonina e os adrenoceptores. Esses receptores também controlam os neurotransmissores – o CBG às vezes é chamado de molécula da “felicidade” devido ao aumento dos neurotransmissores. O canabigerol demonstrou ter efeitos antibióticos e pode reduzir a pressão intraocular do olho.

Canabinol (CBN)

Estrutura química do canabinol (CBN)
Figura 4. Estrutura química do canabinol (CBN) – CAS Registry Number 521-35-7


O canabinol não é sintetizado diretamente pela planta Cannabis; O CBN é um metabólito resultante da quebra do THC. Quando o material vegetal é exposto ao oxigênio e ao tempo, o CBN aumenta à medida que o THC se degrada. O CBN é um sedativo e, portanto, ajuda na insônia. O CBN não é bem pesquisado, mas alguns estudos mostraram que o canabinol tem efeitos antibióticos, alivia o glaucoma e estimula o apetite. Em camundongos, o CBN demonstrou retardar o início da Esclerose Lateral Amiotrófica (ALS). Este composto promissor oferece muitas oportunidades para os pesquisadores buscarem usos terapêuticos para o CBN.

Canabicromeno (CBC)

Estrutura química do Canabicromeno (CBC)
Figura 5. Estrutura química do Canabicromeno (CBC) – CAS Registry Number 20675-51-8


O CBC é derivado do CBG e demonstrou poderosos efeitos antimicrobianos, especialmente em infecções resistentes a outros tratamentos com antibióticos. Além disso, alguns estudos em ratos mostraram que o CBC tem efeitos neuroprotetores que protegem o cérebro de condições neurodegenerativas (doença de Alzheimer) e até estimulam o cérebro a desenvolver novas células.

CBC não se liga bem aos receptores canabinoides, mas se liga ao receptor vaniloide 1 (TRPV1) e ao receptor de potencial transitório da anquirina 1 (TRPA1), que são conhecidos por afetar a percepção da dor. O CBC também demonstrou propriedades anticancerígenas. Novamente, não há muitos dados sobre o CBC como agente terapêutico em estudos humanos, mas em pesquisas preliminares, as propriedades identificadas favorecem mais investigações.

O Efeito Entourage

Muitos produtos de Cannabis anunciam CBD de “espectro total”, o que significa que o produto não apenas contém CBD, mas também pode conter os outros canabinoides discutidos aqui, bem como terpenos, óleos essenciais e até 0,3% de THC (legislado). O uso desses canabinoides em conjunto para aumentar a potência e a eficácia, diferindo dos efeitos de cada produto químico por si só, culmina em uma teoria chamada de “Efeito Entourage”. Sem ficar muito técnico, o mecanismo proposto do Efeito entourage envolve lipídios inativos combinados com canabinoides exógenos que aumentam a atividade de canabinoides endógenos (anandamida e 2-araquidonilglicerol). A pesquisa é nova nesta área, mas alguns estudos mostraram resultados positivos em câncer, transtornos de humor e ansiedade, distúrbios do movimento, e epilepsia.

Perspectiva e impacto futuros

Os canabinoides têm uma péssima reputação por causa de sua associação com a maconha e os efeitos psicoativos do THC e seus derivados. Preocupações legais podem dissuadir os pesquisadores de buscar pesquisas com canabinoides. No entanto, estudos iniciais sobre canabinoides têm dados claros de que pode haver benefícios terapêuticos potenciais para esses compostos, tanto como componentes únicos quanto por meio da ativação de nossos canabinoides endógenos e do “Efeito Entourage”. Este blog abordou apenas alguns dos canabinoides mais conhecidos, mas lembre-se de que existem mais de 100 desses compostos identificados e mais a serem descobertos! Esperamos que, com a continuação da pesquisa, o estigma em torno dessas substâncias canabinoides se dissipe e todo o seu potencial possa ser utilizado no tratamento de doenças debilitantes.

A tendência emergente do aumento da pesquisa em drogas recreativas para benefícios à saúde vai muito além dos canabinoides, veja como psicodélicos do tipo LSD, MDMA e "cogumelos" podem ser os próximos na luta contra a depressão e o TEPT.

Tabela de potenciais efeitos terapêuticos de canabinoides em modelos humanos e mamíferos da literatura citada neste blog.
Potencial terapêutico CBD CBG CBN CBC
Antimicrobiano   X X X
Antitumoral       X
Ansiedade X      
Estabilizador do humor   X    
Estimulante do apetite   X X  
Anticonvulsivante X      
Distúrbios de movimento X      
Dor X X   X
Sedativo     X  
Insônia   X X  
Neuroprotetor       X
Artrite X      
Adicção X      
Glaucoma   X X  

 

 

Uma revisão da pesquisa de materiais para a economia de hidrogênio verde

CAS Green Hydrogen White Paper thumbnail

Muitas tecnologias têm sido pesquisadas com o objetivo de facilitar a economia de hidrogênio. No campo da utilização de hidrogênio em células de combustível, vários materiais foram criados para atingir melhores eficiências e aplicações.

Esta publicação revisada por pares detalha o progresso da pesquisa de energia de hidrogênio desde 2011 até as últimas tendências emergentes. Os elementos primários deste estudo são materiais catalisadores que permitem a produção verde de hidrogênio e materiais usados em capacidades técnicas relacionadas às células de combustível. Um exame aprofundado do panorama da pesquisa da economia do hidrogênio também é fornecido.

Economia do hidrogênio verde: tecnologias revolucionárias para transformar o suprimento de energia do mundo

Leilani Lotti Diaz , Information Scientist/CAS

Green Hydrogen Blog thumbnail image

Sem emissões de carbono e 3 a 10 vezes mais densidade energética do que os combustíveis fósseis, o hidrogênio renovável tem o potencial de acabar com nossa dependência de combustíveis fósseis no futuro.  No entanto, hoje 96% da produção de hidrogênio é por meio de combustíveis fósseis e não é sustentável.  Nossa visão panorâmica da economia do hidrogênio verde (produção, armazenamento e utilização) destaca tendências emergentes e oportunidades únicas neste espaço.  

Imagem da capa do Relatório técnico sobre Hidrogênio Verde

O potencial terapêutico da nanotecnologia além da Covid-19

Rumiana Tenchov , Information Scientist, CAS

cas-insights-nanoparticles

Já se passaram anos, mas a promessa das vacinas de (m)RNA mensageiro finalmente foi concretizada graças a uma pandemia global que acelerou a pesquisa e a inovação no campo. Mas o sucesso das vacinas de mRNA não teria sido possível sem outra tecnologia fundamental: as nanopartículas lipídicas (LNPs) que protegem o mRNA e o entregam às células. Este artigo discutirá o cenário da pesquisa de nanopartículas lipídicas e as oportunidades futuras para a nanotecnologia, muito além da Covid-19.


Saiba mais sobre a jornada dos lipossomas às nanopartículas lipídicas no nosso Relatório de insights sobre nanotecnologia e sua aplicação na administração de medicamentos, o papel que ela desempenha ao possibilitar a revolução do RNA e as oportunidades futuras para os cosméticos, agricultura e muito mais.


Nanotecnologia e vacinas de mRNA: uma história de sucesso?

Embora várias vacinas tenham sido implantadas na luta contra o SARS-CoV-2, as duas vacinas de mRNA baseadas em nanopartículas lipídicas da Moderna e da Pfizer–BioNTech foram as mais amplamente utilizadas, demonstrando o papel fundamental da nanotecnologia na resposta à pandemia de Covid=-19. O lançamento em larga escala dessas vacinas em 2021 mudou o curso da pandemia, causando um declínio notável nos casos de Covid-19.

No entanto, devido à rápida disseminação do vírus, muitas novas variantes do SARS-CoV-2 surgiram e devem continuar a surgir, criando um enorme desafio para a saúde pública. Variantes preocupantes, como a Delta e a Omicron, afetaram a eficácia da vacina ao reduzir a função dos anticorpos neutralizantes. No entanto, as nanotecnologias podem ser a chave para enfrentar o desafio das novas variantes do SARS-CoV-2. Atualmente, os cientistas estão explorando várias maneiras de utilizar a nanotecnologia para esse fim, incluindo nanopartículas, anticorpos neutralizantes provocados por vacinas, anticorpos neutralizantes projetados e “nanodecoys”. Essa última abordagem envolve a criação de nanoproteínas chamariz que interagem com o receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) expresso nas células, inibindo a ligação do vírus à ACE2 e protegendo as células hospedeiras contra a infecção. À medida que essas nanotecnologias são implantadas para acelerar o fim da nova pandemia de coronavírus, como podemos aplicar os aprendizados desse esforço intenso de pesquisa a outras áreas de necessidades não atendidas, incluindo outras doenças infecciosas globais?

O desenvolvimento da tecnologia de nanopartículas lipídicas

Antes de pensar no futuro, vamos revisitar a história da tecnologia de nanopartículas lipídicas. Tudo começou em 1965 com a descoberta dos lipossomas: vesículas de bicamada lipídica fechadas que se formam espontaneamente na água para compor cápsulas gordurosas. Os pesquisadores imediatamente viram potencial na administração de medicamentos devido à sua capacidade de encapsular medicamentos de moléculas pequenas e aumentar suas solubilidades aquosas (sabe-se que mais de 40% desses agentes exibem baixa solubilidade em água). Desde a descoberta inicial dos lipossomas, a tecnologia tem sido continuamente aprimorada e refinada, otimizando a funcionalidade das nanopartículas lipídicas para criar plataformas de administração de medicamentos e medicamentos lipossomais extremamente versáteis.

Embora atualmente no centro das atenções como um componente vital das vacinas de mRNA contra a Covid-19, as nanopartículas lipídicas têm sido utilizadas como medicamentos com sucesso há décadas. Em 1995, o Doxil, uma formulação baseada em LNP do agente antitumoral doxorrubicina, tornou-se a primeira droga lipossomal a ser aprovada. Outra droga lipossomal, o Epaxal, é uma formulação LNP de um antígeno proteico usado como vacina contra hepatite. Depois desse avanço, em 2018, a Food and Drug Administration dos EUA anunciou a aprovação do Onpattro (patisiran), um RNA curto de interferência baseado em LNP para o tratamento de polineuropatias induzidas por amiloidose hereditária por transtirretina. Este marco fundamental abriu caminho para o desenvolvimento clínico de muitas terapias baseadas em ácidos nucleicos possibilitadas pela entrega de nanopartículas (consulte a Fig. 1 para obter uma linha do tempo dos principais avanços de nanopartículas lipídicas e o nosso Relatório de insights para obter uma visão mais detalhada).

Linha do tempo dos avanços da nanotecnologia
Figura 1. Linha do tempo dos avanços da nanotecnologia

diagramas de nanotecnologia

A nanotecnologia no mundo pós-COVID

Uma análise recente do CAS Content Collection™ explorou o cenário único da pesquisa relacionada a nanopartículas lipídicas. A análise revelou que, das mais de 240 mil publicações científicas relacionadas ao LNP na CAS Content Collection™, mais de 190 mil correspondem ao período de 2000 a 2021, destacando o interesse crescente na nanotecnologia. Espera-se que isso seja reforçado pela aplicação da nanotecnologia no combate a doenças infecciosas, assim como a Covid-19, com o mercado de nanomedicina previsto para atingir mais de US$ 164 bilhões até 2027.

Embora as nanopartículas lipídicas tenham, por muito tempo, ocupado uma posição reconhecida na corrente principal dos sistemas de administração de medicamentos, a tecnologia não deixa de ter suas limitações. Os lipossomas – considerados a primeira geração de LNPs – requerem métodos complexos de produção que têm como base solventes orgânicos, apresentam baixa eficiência na contenção de medicamentos e são pouco eficientes em grandes escalas. Embora os principais avanços da nanotecnologia, como o desenvolvimento de nanopartículas lipídicas sólidas e transportadores lipídicos nanoestruturados, tenham ajudado a superar esses problemas (consulte a Tabela 1), nem todos os desafios foram superados. Os custos de fabricação, a extensibilidade, a segurança e a complexidade dos nanossistemas devem ser avaliados e ponderados em relação a quaisquer benefícios potenciais. Para ajudar a superar as limitações atuais dessa tecnologia, os pesquisadores agora estão focados na próxima geração de nanopartículas lipídicas, explorando sistemas de entrega mais sofisticados e com recursos aprimorados.

Tabela 1: Tipos de nanopartículas lipídicas: estrutura e função

diagramas de nanotecnologia

A aplicação bem-sucedida da nanotecnologia às vacinas de mRNA contra a Covid-19 renovou o interesse no uso dessa tecnologia para o tratamento de doenças infecciosas, como malária, tuberculose (TB) e vírus da imunodeficiência humana (HIV), entre outras. A nanotecnologia tem o potencial de transformar tanto a detecção quanto o tratamento dessas doenças. A versatilidade da tecnologia permite que os tratamentos encapsulados em lipossomas, nanopartículas de polímero e cristais de nanomedicamentos sejam administrados local ou sistemicamente, para liberação contínua ou imediata. As possibilidades são infinitas.

No entanto, enquanto algumas doenças infecciosas (por exemplo, o HIV) têm sido o foco de intensa pesquisa, enquanto outras, como a malária e a tuberculose, têm sido abordadas com menos entusiasmo. O financiamento (ou a falta dele) tem sido historicamente um fator limitante no progresso das nanotecnologias nessas áreas de necessidades não atendidas. No entanto, pode ser que isso esteja prestes a mudar. Uma equipe da Johns Hopkins está desenvolvendo uma plataforma para acelerar o design de nanopartículas lipídicas para a administração de medicamentos genéticos, tornando o processo mais acessível. Neste momento, a equipe está aproveitando essa tecnologia para desenvolver uma vacina contra a malária que tem como alvo o parasita causador da doença durante seu ciclo de vida no fígado.

O futuro da nanotecnologia é brilhante

A nanotecnologia revelou um novo horizonte na ciência, particularmente na medicina. O uso de nanopartículas lipídicas como vetor de entrega para as vacinas de mRNA da Covid-19 provavelmente expandirá o escopo para pesquisas futuras. Projetos de nanotransportadores mais sofisticados e multifuncionais prometem atender às necessidades atuais e futuras.

Veja nosso Relatório de insights para obter uma análise de cenário mais detalhada das oportunidades passadas, presentes e futuras para tecnologias de nanopartículas lipídicas.

A comida espacial para a missão Artemis tem aplicações no mundo real

Otilia Catanescu , Information Scientist/CAS

Space food for Artemis blog astronaut image

O Programa Artemis da NASA promove um incrível retorno à lua que pode redefinir como os humanos do futuro se alimentarão no espaço e na Terra. Sete experimentos focados em plantas foram aprovados para entender os diferentes requisitos para o cultivo bem-sucedido de plantas no espaço. Além da agricultura espacial, inovações como alimentos impressos em 3D, embalagens e novas aplicações de microbiomas podem ter grandes implicações para os alimentos na Terra. Os desafios de design de alimentos no espaço (longevidade, ciclos de circuito fechado, nutrição e incapacidade de cozinhar) podem melhorar o acesso à nutrição nos ambientes desafiadores da Terra.  

O que é preciso para comer no espaço?

Enquanto a maioria de nós, na Terra, está focada em variedade e nutrição nas dietas, alguns critérios-chave para sistemas alimentares espaciais são:

1. Segurança alimentar: prevenção da deterioração dos alimentos, processamento de resíduos e reciclagem com ecossistemas avançados de circuito fechado para o crescimento das plantas
2. Confiabilidade: capacidade de suportar as duras condições encontradas no espaço, longa vida útil e utilização do mínimo espaço.
3. Experiência (paladar, variedade, facilidade de preparo, etc.) e densidade nutricional

O espaço apresenta desafios únicos

Cultivar plantas no espaço tem seus próprios desafios por se tratar de um ecossistema fechado sem gravidade, sem luz solar direta, com espaço limitado e suprimento de água limitado. A ausência de gravidade significa que cozinhar é difícil e é preciso minimizar a sobrecarga de recursos na estação espacial (massa, energia, tempo de tripulação, água, eliminação de resíduos). Alimentos pré-embalados nem sempre são viáveis devido à deterioração dos nutrientes e enormes quantidades necessárias em estoque. No futuro, a exploração do espaço profundo exigirá anos de viagem com um suprimento limitado de comida e água e sem possibilidades de reabastecimento.

Publicações e tendências para patentes

Publicações e patentes da NASA e outras agências sobre comida espacial estão em andamento há décadas. Com a ajuda do CAS Content Collection™, analisamos publicações científicas globais relacionadas a alimentos espaciais e sistemas de vida entre 2000 e 2022. O cenário de pesquisa mostra que grandes anúncios de novos programas espaciais impulsionam um aumento em futuras publicações e patentes em todo o mundo. Por exemplo, a Estação Espacial Internacional tem feito um grande esforço desde que foi anunciada pela primeira vez em 1993. O aumento de publicações e patentes desde então está altamente correlacionado com os mais de 2.500 experimentos realizados por eles. Da mesma forma, há uma clara tendência de aumento da pesquisa após o anúncio do Programa de Tripulação Comercial da NASA em 2011 e um aumento correspondente depois do Programa Artemis em 2017 (Figura 1).

gráfico demonstrando volumes anuais de publicações relacionadas a sistemas de alimentação e vida para a exploração espacial
Figura 1. Volumes anuais de publicações relacionadas a sistemas de alimentação e vida para a exploração espacial

Novas soluções: comida espacial impressa em 3D

Pizza de outro mundo? Brincadeiras à parte, os novos avanços na impressão 3D de alimentos na Estação Espacial Internacional podem ter um impacto gigantescos sobre alguns dos maiores desafios alimentares que temos na Terra.  As impressoras 3D agora produzem designs diferentes e dietas personalizadas, adicionando ingredientes específicos aos alimentos. Atualmente, as tintas para impressoras 3D podem consistir em carne seca, vegetais e laticínios em pó, enriquecidos com micronutrientes relevantes. Algumas das tintas comestíveis imprimíveis mais comuns são purê de batata, chocolate, massas, queijos, cremes, coberturas de bolo e frutas.

Essa tecnologia é crucial para prolongar a vida útil dos alimentos espaciais. Ela permite que o material alimentar seja estéril e armazenado na forma de matéria-prima. Além disso, ela minimiza o espaço de armazenamento ocupado a bordo.

Usando micróbios para produzir nutrientes

Os pesquisadores estão investigando diferentes tipos de bactérias para converter componentes do ar ou resíduos corporais em nutrientes. Por exemplo, bactérias conhecidas como hidrogenotróficos (micro-organismos unicelulares que metabolizam o hidrogênio para obter energia) poderiam converter em proteínas o dióxido de carbono produzido pelos astronautas por meio de um tipo de processo de fermentação. Outros pesquisadores descobriram que a Yarrowia lipolytica, parente da levedura de panificação, pode ser usada para produzir lipídios, e até plásticos, ao serem alimentadas com urina humana, abrindo a possibilidade de transformar resíduos naturais em nutrientes essenciais à saúde humana.

Alimentos pré-embalados

Embora os alimentos secos ou congelados sejam críticos, a NASA busca tecnologias emergentes de preservação de alimentos para novas abordagens. Por exemplo, a Esterilização térmica assistida por pressão e a Esterilização por micro-ondas garantem maior qualidade inicial e nutricional em alimentos pré-embalados. Os pesquisadores também estão investigando embalagens melhores para aumentar a vida útil dos alimentos em até 5 anos.

Sistemas de circuito fechado e agricultura espacial

A melhor opção para uma fonte boa e constante de nutrição adequada depende da agricultura a bordo da espaçonave. A existência de uma fazenda espacial ajudaria na criação de um ambiente sustentável, uma vez que as plantas podem ser usadas para reciclar águas residuais, gerar oxigênio, purificar o ar e até reciclar fezes na nave. Atualmente, existe uma horta espacial, conhecida como Veggie. Ela pode abrigar seis plantas e já foi usada com sucesso para cultivar alface, acelga, mostarda mizuna, couve vermelha e flores de zínia. Esta é uma lista das plantas que foram cultivadas no espaço nas últimas quatro décadas.

Usos da comida espacial no mundo real

A pesquisa na área da nutrição espacial leva a uma relação melhor e mais sustentável entre nossa comida e o planeta. As estufas de circuito fechado e a agricultura vertical podem ser utilizadas em regiões áridas, polares, remotas ou altamente povoadas devido aos seus baixos requisitos de água e terra. Produzir carne usando componentes de ar pode reduzir a demanda por gado e exigir muito menos uso de terra e água. Um purificador de ar aprimorado, criado inicialmente para alimentos espaciais, agora é usado para a preservação de alimentos e em salas de cirurgia.

A impressão 3D de alimentos pode desempenhar um papel importante na redução da escassez de alimentos aqui na Terra. Impressoras 3D podem ser usadas para criar alimentos de forma mais rápida e limpa do que qualquer chef poderia, além de personalizar valores e texturas nutricionais. As tintas comestíveis também podem ampliar o uso de fontes não tradicionais de materiais alimentícios.

Todas essas tecnologias podem reduzir o volume de transporte, embalagem, distribuição e outros custos, aproximando-se dos clientes e diminuindo a pegada ecológica. Os benefícios da pesquisa contínua sobre a exploração espacial se estendem ao meio ambiente da Terra e seus habitantes, fornecendo ideias sobre a manutenção e preservação dos ecossistemas terrestres.

Química bio-ortogonal: explorando a importância dos açúcares na célula

Robert Bird , Information Scientist, CAS

Bioorthogonal chemistry glycan depiction

Os açúcares não são essenciais apenas para os processos fisiológicos normais na célula, mas também desempenham um papel fundamental nos processos patológicos. Bactérias e vírus podem até reconhecê-los para infectar seus hospedeiros. Embora continue sendo um tema difícil de pesquisa, o campo da glicobiologia tem atraído muito interesse de pesquisadores de várias disciplinas nos últimos anos. Uma dessas ferramentas é a química bio-ortogonal, que pode ser usada para gerar imagens de glicanos, as estruturas de carboidratos ligadas a proteínas e peptídeos (Figura 1).

Recentemente, o grupo de pesquisa de Carolyn Bertozzi, pioneiro em pesquisas no campo da química bio-ortogonal há muitos anos, usou a química bio-ortogonal para fazer uma descoberta formidável de uma nova biomolécula, a glicoRNA. Aqui, nos aprofundamos no mundo da química bio-ortogonal e suas aplicações, particularmente como ela contribuiu para levar o campo da glicobiologia adiante e quais oportunidades estão por vir.

​  Glicanos ligados aos domínios extracelulares de um receptor de superfície celular.  ​
Figura 1. Glicanos ligados aos domínios extracelulares de um receptor de superfície celular.

O que é a química bio-ortogonal?

O termo química bio-ortogonal foi criado pelo grupo de pesquisa de Bertozzi, pioneiro na área há muitos anos. A química bio-ortogonal é um conjunto de reações que podem ocorrer em ambientes biológicos com efeito mínimo sobre as biomoléculas ou interferência em processos bioquímicos. O processo da química bio-ortogonal atende aos critérios rigorosos necessários para que as reações ocorram como deveriam em sistemas biológicos:

  • As reações devem ocorrer nas temperaturas e no pH dos ambientes fisiológicos.
  • As reações devem fornecer produtos de modo seletivo e com alto rendimento e não devem ser afetadas por água ou nucleófilos, eletrófilos, redutores ou oxidantes endógenos encontrados em ambientes biológicos complexos.
  • As reações devem ser rápidas, mesmo em baixas concentrações, formando produtos com reação estável.
  • As reações devem envolver grupos funcionais não naturalmente presentes em sistemas biológicos.

Para que a química bio-ortogonal é utilizada?

O CAS Content CollectionTM nos permitiu analisar as tendências de publicação em aplicações de química bio-ortogonal de 2010 a 2020 (Figura 2). A geração de imagens foi o maior uso da química bio-ortogonal entre 2010 e 2020, seguido pelo desenvolvimento e pela administração de fármacos.

Volume de publicação de química bio-ortogonal de 2010 a 2020
Figura 2. Volume de publicação de química bio-ortogonal de 2010 a 2020.* O gráfico inserido mostra o volume total de publicações de química bio-ortogonal para fins de comparação.


(*2010 foi selecionado como ponto de referência inicial porque foi o primeiro ano em que o número de documentos contendo "química bio-ortogonal" aumentou significativamente em relação ao ano anterior. Aproximadamente 90% do total de documentos contendo o termo "bioortogonal" ou "bio-ortogonal" foram publicados desde 2010.)


Além disso, a química bio-ortogonal de proteínas representa o maior número de publicações, provavelmente porque esses métodos são os mais estabelecidos, com outros campos aumentando constantemente, incluindo o campo relativamente novo de glicanos (Figura 3).

Documentos relacionados à química bio-ortogonal e usos específicos no CAS Content Collection entre 2010 e 2020
Figura 3. Documentos relacionados à química bio-ortogonal e usos específicos no CAS Content Collection entre 2010 e 2020. O gráfico inserido mostra as publicações anuais em química bio-ortogonal no mesmo período.

Imagens de glicanos

A química bio-ortogonal provou ser uma ferramenta essencial para a compreensão das estruturas, localização e funções biológicas dos glicanos. Os glicanos são oligossacarídeos ligados a peptídeos, proteínas e lipídios comumente encontrados nas paredes celulares, permitindo seu uso na visualização seletiva de tipos de células. Os precursores metabólicos de glicano incluem muitas funcionalidades bio-ortogonais, incluindo azidas, alcinos terminais e alcinos tensos. Os glicanos podem ser visualizados usando o parceiro bio-ortogonal adequado, por exemplo, as azidas são observadas com ésteres ou tioésteres contendo fosfina por Staudinger u ligações de Staudinger sem vestígios, alcinos terminais ou alcinos tensos são identificados usando CuAAC ou SPAAC, respectivamente.

A química bio-ortogonal impulsiona a glicobiologia

Até agora, o RNA não era um alvo importante da glicosilação. No entanto, uma significativa descoberta recente possibilitada pelo uso de marcação metabólica e química bio-ortogonal foi a descoberta do "glicoRNA". Usando uma bateria de abordagens químicas e bioquímicas, o Dr. Ryan A. Flynn coordenou um grupo de pesquisa de Bertozzi que descobriu que RNAs não codificantes pequenos conservados contêm glicanos sialilados e que esses glicoRNAs estão presentes em vários tipos de células e espécies de mamíferos em células cultivadas e in vivo.

A estratégia usada para esta descoberta foi marcar metabolicamente células ou animais com açúcares precursores funcionalizados com um grupo azida clicável. Os azidoaçúcares permitem a reação bio-ortogonal com uma sonda de biotina para enriquecimento, identificação e visualização após a incorporação no glicano celular. Usando um precursor de ácido siálico marcado com azida, N-azidoacetilmanosamina peracetilada (Ac4ManNAz), as preparações de RNA altamente purificadas de células marcadas exibiram reatividade de azida. A montagem do glicoRNA depende da maquinaria biossintética canônica de N-glicanos e resulta em estruturas enriquecidas em ácido siálico e fucose. Uma análise posterior de células vivas revelou que a maioria dos glicoRNAs estava presente na superfície celular onde interagem com anticorpos anti-dsRNA e membros da família de receptores Siglec. São necessárias pesquisas posteriores para investigar o papel do glicoRNA.

Com a ajuda da química bio-ortogonal, foi estabelecida uma interface direta entre a biologia do RNA e a glicobiologia, e agora existem muitas outras descobertas a serem exploradas.

Quais oportunidades o futuro da química bio-ortogonal nos reserva?

A química bio-ortogonal tem uma ampla variedade de aplicações na ciência e medicina e tem sido usada para avançar significativamente as pesquisas nos últimos anos. Além de impulsionar o campo da glicosilação por meio da descoberta de glicoRNAs, ela mostrou aplicações promissoras na administração e no direcionamento de fármacos e seu uso provavelmente se expandirá ainda mais no futuro. Veja alguns exemplos:

  • Síntese in situ de agentes farmacêuticos: a química bio-ortogonal pode ser útil no desenvolvimento de fármacos a partir de precursores menores. Ao criar fármacos como e quando necessário, eles podem ser mais eficazes e menos tóxicos; o escopo da intervenção farmacológica também pode ser ampliado.
  • Marcação de glicano: nanopartículas lipídicas foram geradas contendo galactosaminas marcadas com azida usando ligantes de folato. Devido à presença de receptores de folato aumentados no tecido tumoral, ocorreu a internalização de LNP, seguida pela liberação de carga nas células tumorais. As membranas tumorais incorporaram dibenzociclooctina funcionalizada com azida, desencadeando uma resposta imunológica quando as células tumorais foram expostas a soros humanos.
  • Clique para liberar: este método usa química bio-ortogonal para controlar o tempo e a localização da liberação do fármaco, resultando em um fármaco que deve ser seletivamente tóxico para as células-alvo.

Com o desenvolvimento e refinamento contínuos das reações, a química bio-ortogonal será uma ferramenta importante para pesquisas futuras.


Consulte nosso artigo na Bioconjugate Chemistry e o Relatório do CAS Insights para obter mais detalhes sobre a química bio-ortogonal e sua ampla variedade de aplicações. 

Pesquisa e desenvolvimento de agentes terapêuticos e vacinas para a covid-19 e doenças relacionadas ao coronavírus humano

covid-19-therapeutic-agents

Desde o surto da nova doença por coronavírus, a covid-19 causada pelo vírus SARS-CoV-2, essa doença se espalhou rapidamente pelo mundo. Cientistas e médicos estão correndo para entender esse novo vírus e a fisiopatologia da doença para descobrir possíveis regimes de tratamento, agentes terapêuticos e vacinas eficazes.

Para apoiar a pesquisa e o desenvolvimento atuais, o CAS produziu um relatório especial para fornecer uma visão geral das informações científicas publicadas com ênfase nas patentes contidas na coleta de conteúdo do CAS. São destacadas as estratégias antivirais envolvendo pequenas moléculas e produtos biológicos visando interações moleculares complexas envolvidas na infecção e replicação do coronavírus. O esforço de reaproveitamento de medicamentos aqui documentado concentra-se principalmente em agentes conhecidos por serem eficazes contra outros vírus de RNA, incluindo SARS-CoV e MERS-CoV. 
 

Publicações semanais sobre a pesquisa da covid-19


A análise de patentes de produtos biológicos relacionados ao coronavírus inclui anticorpos terapêuticos, citocinas e terapias baseadas em ácido nucleico visando a expressão gênica do vírus, bem como vários tipos de vacinas. Mais de 500 patentes divulgam as metodologias desses quatro produtos biológicos com potencial para tratar e prevenir infecções por coronavírus, que podem ser aplicáveis à covid-19. As informações contidas neste relatório fornecem uma fundamentação intelectual sólida para o desenvolvimento contínuo de agentes terapêuticos e vacinas.

ACE2: visando um receptor potencialmente importante na patogênese da doença

Angela Zhou , Manager of Scientific Analysis and Insights, CAS

Targeting a Potentially Important Receptor in Disease Pathogenesis

A proteína da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) atraiu atenção considerável nos últimos anos por seu papel como receptora do vírus SARS-CoV-2, mas a enxurrada de pesquisas sobre a ACE2 também revelou possibilidades intrigantes para ela como um alvo terapêutico em várias outras doenças.

O que é ACE2?

ACE2 é uma proteína de membrana com um domínio enzimático localizado na superfície externa das células humanas. Foi chamada assim porque esta proteína foi identificada inicialmente como um homólogo (ou uma variante) da enzima conversora de angiotensina (ACE), uma enzima que medeia a formação do hormônio peptídico, angiotensina II a partir da angiotensina I. A ACE foi estudada extensivamente e é um vasoconstritor bem conhecido (isto é, causa contração muscular na parede do vaso sanguíneo e estreitamento do lúmen do vaso sanguíneo).

A ACE2, agora conhecida por ser um receptor viral, também atua como um vasodilatador, que contrabalança a ACE e faz com que as paredes dos vasos sanguíneos relaxem. Tanto a ACE quanto a ACE2 são atores importantes no sistema renina-angiotensina (RAS) que regula a pressão sanguínea e o fluxo sanguíneo para vários órgãos, incluindo pulmões, coração e rins.

 

Funções da enzima conversora de angiotensina 2

O sistema renina-angiotensina engloba uma rede complexa de enzimas, hormônios peptídicos e receptores, conforme mostrado na Figura 1. O angiotensinogênio, o precursor da angiotensina (Ang), secretado pelo fígado, é clivado pela enzima renal renina para produzir angiotensina I (Ang I). A Ang I é então convertida em Ang II pela ACE. A Ang II, um peptídeo hormonal de oito aminoácidos, liga-se aos receptores de angiotensina tipo 1 (AT1R) na superfície das células musculares em pequenos vasos sanguíneos para causar a vasoconstrição. Também promove a reabsorção de sódio pelos rins. Tanto a vasoconstrição quanto a reabsorção de sódio levam a um aumento da pressão arterial. Assim, a atividade anormalmente alta da ACE leva ao aumento dos níveis de Ang II, causando hipertensão.

sistema renina angiotensina
Figura 1: o sistema renina-angiotensina (RAS) e o papel da ACE, ACE2, Ang II, Ang (1-7), AT1R e MasR na regulação da pressão arterial

Por outro lado, a ACE2 catalisa a conversão do peptídeo de oito aminoácidos, Ang II, em um peptídeo de sete aminoácidos (Ang 1-7), que parece ter o efeito oposto da Ang II por meio de sua ação em um receptor diferente, chamado receptor Mas (MasR). Embora o papel preciso da Ang 1-7 na regulação da pressão arterial não tenha sido totalmente elucidado, existem evidências de que ela reduz a pressão arterial e induz a vasodilatação. Além disso, a ACE2 cliva a Ang I em Ang 1-9 e, portanto, pode contrabalançar ainda mais o efeito da ACE removendo seu substrato. Ao causar a conversão de Ang II em Ang (1-7) e Ang I em Ang 1-9, a ACE2 pode desempenhar um papel na manutenção do equilíbrio entre vasoconstrição e vasodilatação para manter a pressão arterial sob controle.

O papel da ACE2 na infecção por SARS-CoV-2

Desde o surto de covid-19, os cientistas estão correndo para entender o vírus SARS-CoV-2, elucidar o mecanismo de progressão da doença e identificar opções de tratamento. Extensas pesquisas têm sido dedicadas à identificação de genes e proteínas viáveis como alvos para agentes terapêuticos e, no início da pandemia, foi descoberto um papel potencialmente importante para a ACE2 como receptor do vírus SARS-CoV-2.

A ACE2 pode ser reconhecida pela proteína spike (proteína S) na superfície do vírus SARS-CoV-2 ou SARS-CoV. As proteínas ACE2 e S ligam-se de forma análoga a uma interação chave e fechadura, que permite que o vírus entre nas células humanas (Figura 2).

interação proteína coronavírus
Figura 2. Ilustração da interação da proteína S do coronavírus com ACE2 em células humanas (Fonte:     ACS Cent. Sci. 2020, 6, 3, 315-331)

Embora o SARS-CoV-2 seja muito semelhante ao SARS-CoV, o vírus que causou a SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), algumas mutações no domínio de ligação ao receptor da proteína S aumentaram significativamente a afinidade de ligação do vírus SARS-CoV-2 com a ACE2. Essas diferenças podem indicar a maior transmissibilidade da covid-19. Há evidências de que a ACE2 é expressa nos nossos pulmões, sistemas digestivos, corações, artérias e rins. A expressão de ACE2 também aumenta com a idade e é maior em pacientes que sofrem de doenças cardiovasculares, possivelmente explicando o aumento da gravidade da covid-19 nesses subgrupos.

Interações da proteína ACE2 em terapias para a covid-19

Embora funcione como o local de ancoragem do SARS-CoV-2 e atua como mediador da entrada do vírus nas células hospedeiras, pode ser que a ACE2 não atue sozinha nesse processo. Outras enzimas do hospedeiro também estão envolvidas na facilitação da entrada viral. Enzimas chamadas proteases são responsáveis por remover fragmentos tanto da proteína ACE2 quanto das proteínas S para potencializar seu processo de interação. Outras enzimas modificam o complexo proteico ACE2-S empacotado em vesículas ligadas à membrana para facilitar a entrada viral na célula hospedeira. Portanto, a ACE2 e sua interação com o SARS-CoV-2, bem como outras proteínas envolvidas nesse processo, é concebível que sejam alvos válidos para agentes anti-covid-19.

Após a ligação viral, especula-se que o domínio catalítico da ACE2 possa ser bloqueado pelo vírus, resultando em acesso limitado ao substrato, Ang II, causando acúmulo de Ang II. Além disso, com a entrada viral, a superfície da ACE2 pode ser internalizada para as células, diminuindo a função enzimática da ACE2 (Figura 3). Como resultado da atividade reduzida de ACE2, os níveis circulantes de Ang II podem aumentar, como foi relatado em pacientes com covid-19. O nível de Ang II exibe uma correlação positiva linear com a carga viral e lesão pulmonar, indicando uma ligação direta entre a regulação negativa da ACE2 tecidual, com o desequilíbrio do RAS e o desenvolvimento de danos nos órgãos em pacientes com covid-19. No entanto, são necessários mais estudos para confirmar esse achado.

inacessibilidade da ace2
Figura 3. A infecção por SARS-CoV-2 causa inacessibilidade da ACE2 aos seus substratos e internalização da ACE2 nas células, resultando em aumento da pressão arterial e vasoconstrição. 

O potencial da ACE2 como alvo para terapias para a covid-19

Devido ao papel crucial que a ACE2 desempenha na invasão de células hospedeiras pelo SARS-CoV-2, estão em andamento esforços para desenvolver medicamentos que possam bloquear sua função nessa capacidade. Até o momento, nenhum medicamento de pequenas moléculas foi aprovado por meio de reaproveitamento de medicamentos para esta aplicação. No entanto, um medicamento biológico recentemente desenvolvido pode atingir esse objetivo. Este medicamento de grau clínico, a ACE2 solúvel recombinante humana (hrsACE2), foi originalmente projetado para a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA).

O hrsACE2 não possui o segmento de fixação à membrana e, portanto, não se liga às células humanas. No entanto, é capaz de se ligar ao vírus SARS-CoV-2 como um receptor chamariz. Ao se ligar competitivamente a esse coronavírus, ele impede a ligação viral ao ACE2 natural ligado à membrana e, assim, bloqueia a entrada do vírus nas células hospedeiras (Figura 4). Estudos em células cultivadas e vários organoides mostraram de fato que hrsACE2 inibiu o vírus de infectar as células hospedeiras. Também pareceu ser bem tolerado e provocou uma rápida diminuição nos níveis séricos de Ang II em pacientes com SDRA em um ensaio clínico de 2017. Espera-se que o hrsACE2 seja o primeiro medicamento direcionado ao ACE2 e abra as portas para terapias direcionadas na luta contra a covid-19. O que é mais encorajador, o hrsACE2 mostrou potencial como tratamento combinado, melhorando a eficácia do remdesivir em infecções por SARS-CoV-2.

ACE2 bloqueando a ligação do SARS Cov-2
Figura 4. Ilustração de como o hrsACE2 pode bloquear a ligação do SARS-CoV-2 ao ACE2 e, portanto, a entrada viral nas células hospedeiras.

Aplicações terapêuticas futuras da ACE2

Além da covid-19, a via ACE2 oferece uma rota potencial para tratar outras doenças respiratórias, como a gripe de 2009 (H1N1) e a gripe aviária (H5N1), possivelmente desenvolvendo ACE2 recombinante para uso em conjunto com um inibidor de AT1R ou de ACE. As doenças cardiovasculares são outra área em que a ACE2 tem encontrado interesse crescente, e novos alvos como a ACE2 podem ajudar a encontrar maneiras mais eficazes de acessar a hiperatividade do SRA, que desempenha um papel muito relevante em condições como a hipertensão. É provável que a ACE2 também seja um alvo importante na luta contra o diabetes tipo 2, por exemplo, usando as vias mediadas pela ACE2 para anular os efeitos da Ang II hiperativa no rim do diabético.

O papel emergente do RNA no desenvolvimento de novos tratamentos terapêuticos está remodelando o panorama das descobertas de medicamentos. Fique em dia com as novidades com o CAS. Explore nosso Relatório de insights sobre o cenário emergente da terapêutica de RNA.

Técnicas de ensaio e desenvolvimento de testes para diagnóstico da covid-19

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Um tema contínuo da pandemia de covid-19 é a necessidade de ampla disponibilidade de testes diagnósticos precisos e eficientes para detectar o SARS-CoV-2 e os anticorpos antivirais em indivíduos infectados. A capacidade de detectar casos leves e assintomáticos por meio de testes permite o diagnóstico precoce e o rastreamento de contatos, etapas essenciais para evitar a propagação silenciosa do vírus. Em um esforço para atender a essa necessidade, pesquisadores de todo o mundo estão correndo para desenvolver métodos altamente precisos, eficientes e econômicos para testes rápidos e que possam ser expandidos. Para auxiliar na melhor compreensão e comparação dos vários testes de diagnóstico disponíveis, o CAS produziu um relatório especial resumindo os princípios básicos dos ensaios moleculares e sorológicos usados em testes de diagnóstico para SARS-CoV-2. O relatório destaca os recentes avanços nas tecnologias de teste e fornece uma visão geral de mais de 200 testes de diagnóstico disponíveis atualmente.

A maioria dos testes para detecção precoce do RNA do SARS-CoV-2 depende da reação em cadeia da polimerase de transcrição reversa, mas os ensaios de amplificação isotérmica de ácido nucleico, incluindo amplificação mediada por transcrição e metodologias baseadas em CRISPR, são alternativas promissoras. A identificação de indivíduos que desenvolveram anticorpos para o vírus SARS-CoV-2 requer testes sorológicos, incluindo o enzyme-linked immunosorbent assay (ensaio imunoadsorvente ligado à enzima), ELISA e imunoensaio de fluxo lateral. A pesquisa rápida está impulsionando melhorias constantes na precisão dos testes, na maior capacidade de produção e no menor tempo para resultados, juntamente com uma maior variedade de testes no local de atendimento. Esses avanços são críticos para melhorar a expansibilidade dos testes para atender à crescente demanda de saúde pública.  

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