Desafios e oportunidades nos estudos da relação entre estrutura e atividade (SAR)

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Uma conversa com Ben R. Taft, PhD., Diretor sênior de Química, Via Nova Therapeutics

Com uma base de conhecimento que só aumenta e tecnologias que avançam com rapidez, as mudanças na indústria de descoberta de medicamentos são velozes. Os desafios de ontem se tornam as oportunidades de hoje, que, por sua vez, se tornam triviais no mundo de amanhã. Nesta série contínua de artigos, compartilhamos conversas recentes que tivemos com profissionais de descoberta de medicamentos que capturam essa interseção entre desafio e oportunidade. Esperamos que essas discussões sejam muito interessantes e cheias de insights para você como foram para nós.

No primeiro artigo, conversamos com Ben R. Taft, PhD., diretor sênior de química medicinal da Via Nova Therapeutics, sobre os desafios e oportunidades nos estudos da SAR.

CAS: Qual foi a maior mudança que você experimentou nos estudos da SAR desde que começou nesse campo?

Ben: Mudanças no mundo dos dados. O movimento em direção à digitalização na indústria definitivamente gerou um grande impacto. Em paralelo, também houve uma explosão de dados científicos e ferramentas para visualizar e interpretá-los. Com a digitalização tornando os dados mais accessíveis, tivemos o desenvolvimento de ferramentas para conectar todos esses dados, vinculando e associando-os a outros dados, o que tem permitido que as equipes trabalhem com muito mais eficiência. Com essas ferramentas, identificamos tendências nos dados e conseguimos fazer novas observações que antes não eram possíveis.

Além de tudo isso, tem o crescimento e desenvolvimento do aprendizado de máquina (ML) e da inteligência artificial (IA). Quando reunimos todas essas peças, descobrimos que há muitas coisas interessantes acontecendo no mundo dos dados.

CAS: Fico feliz que você mencionou o ML, temos ouvido muito sobre isso ultimamente. Como a IA e o ML afetam a descoberta de medicamentos e a SAR?

Ben:  Eu acho que esse campo está apenas começando, mas já estamos vendo impactos nas previsões de estrutura e otimização. Não sou especialista nessa área, mas entendo que, mesmo em um nível muito simples, o ML causa um impacto gigante em grandes conjuntos de dados. Ele é útil para encontrar tendências e insights em conjuntos de dados muito grandes e complexos para serem classificados por humanos, mas que o ML analisa com muita rapidez e eficiência. Por exemplo, se você tiver o tipo certo de dados suficientes, poderá criar modelos para ajudar a projetar novas estruturas, prevendo coisas como solubilidade, bioatividade em uma enzima e assim por diante.

Um bom exemplo em que o conjunto de dados é muito grande para análise humana é o uso de bibliotecas codificadas por DNA para triagem de bioatividade. Elas basicamente geram bilhões de pontos de dados usando a triagem de biblioteca codificada por DNA e, depois, usam os próprios algoritmos de ML personalizados para classificar esses dados e prever as melhores estruturas para sintetizar e testar novamente.

Mas, como meus colegas que trabalham nessa área sempre me lembram, a qualidade do resultado de qualquer projeto de ML ou IA depende da qualidade dos dados inseridos no projeto. A qualidade do modelo e a capacidade de fazer previsões que funcionem no mundo real são muito limitadas pelo tamanho do conjunto de dados, bem como pelo alcance e pela diversidade deles.

CAS: Na sua opinião, qual é o benefício de se usar IA e ML? É apenas para agilizar o trabalho ou você acha que está aprimorando o que faz?

Ben: Acho que está nos ajudando a identificar novas estruturas que não preveríamos de outra forma e a garantir que não estamos negligenciando nada, além de aumentar a eficiência. Pense assim. Em um projeto típico, serão sintetizados de 200 a 2.000 novos análogos de um medicamento na tentativa de ajustar todas as diferentes propriedades físicas, químicas e biológicas antes de indicar um candidato a medicamento do conjunto de compostos. Cada um desses compostos tem de dez a cinquenta conjuntos de dados associados a ele; são muitos dados.

Embora existam excelentes ferramentas para visualizar os dados que nos permitem procurar tendências, limites e picos de atividade, ainda existe o erro humano e a possibilidade de deixar alguma coisa de fora. Mas, com a IA e o ML, os modelos sugerem compostos a ser priorizados com base em certas tendências ou observações e atuam como um backup para o cientista. Eles nos fornecem dados adicionais para que possamos tomar melhores decisões com mais eficiência.

Mas, em última análise, você ainda precisa sintetizar novos compostos e obter dados reais para tomar decisões definitivas.

Acho que as pessoas esperam que, em vez de fazer de 200 a 2.000 novos compostos para encontrar um candidato a medicamento, só precisaríamos fazer de 20 a 30 compostos de todos os projetos possíveis. Infelizmente, acho que não estamos nem próximo disso ainda.

CAS: Embora a IA e o ML ainda tenham muito a evoluir, que papel você acha que eles desempenham hoje para o químico descobridor de medicamentos?

Ben: Eu os vejo como um recurso adicional na caixa de ferramentas disponíveis que os cientistas de descoberta de medicamentos têm. No final das contas, o que fazemos é muito complexo e cheio de nuances, e são tantas as incertezas para traduzir um medicamento dos estudos in vitro para humanos que não acho que a IA vá tirar empregos de químicos tão cedo! Temos que fazer todos os estudos de segurança e toxicologia, trabalhar com diferentes espécies de animais na fase pré-clínica antes de pensar em colocar um composto em um ser humano, porque não importa quantos dados, software e tecnologia tenhamos hoje, esses estudos ainda são a melhor previsão de quais serão os resultados de segurança em um ser humano.

As ferramentas de IA e ML que temos hoje apoiam o trabalho dos cientistas de descoberta de medicamentos e nos fornecem insights adicionais.

CAS: Agora, vamos sair do mundo virtual e ir para o laboratório experimental. Onde você acha que estão os maiores gargalos na descoberta de medicamentos de moléculas pequenas?

Ben: Existem gargalos em todos os lugares que você olhar! Um bem grande é a síntese de novos compostos. Durante a otimização do composto candidato, você precisa sintetizar centenas ou até milhares de novos análogos para cada estrutura. Como cada análogo leva várias semanas para ser sintetizado, estamos falando de um grande gasto de tempo e dinheiro, especialmente quando consideramos todo o tempo que os cientistas gastam coordenando todos esses esforços.

Aí, depois de obter os análogos, você precisa executá-los em um conjunto de dezenas de ensaios, coletar os dados e começar a etapa de análise do ciclo sobre o qual acabamos de falar.

CAS: Você vê alguma solução boa para esse gargalo?

Ben: Tenho boas expectativas sobre a tecnologia de plataformas de química em microescala. As plataformas químicas em microescala permitem sintetizar e purificar de dezenas a centenas de novas moléculas de medicamentos em formato de placa em paralelo, utilizando robótica e software de última geração. Essas plataformas são empolgantes porque, em teoria, permitem que o ciclo de projetar, sintetizar, testar, analisar e voltar ao projeto seja muito mais rápido, ao contrário do que os métodos convencionais, e geram mais dados com maior rapidez. A expectativa é que seja possível identificar os melhores análogos de medicamentos e tomar decisões com muito mais rapidez.

O que eu gosto nessas plataformas é que elas geram dados reais, não os dados calculados ou previstos que as plataformas de ML e IA geram. Elas não ajudam a priorizar os análogos a serem estudados, mas elas realizam o experimento para que você possa tomar decisões sólidas agora.

Ben: Essa discussão sobre dados previstos e dados empíricos levanta um ponto importante que gostaria de abordar sobre tecnologia. O que ficou muito claro para mim ao longo desse tempo na indústria, e pelo fato de ser um cientista em geral, é que passamos muito tempo conversando sobre diferentes tecnologias e estratégias. Individualmente, cada tecnologia normalmente é uma ótima ferramenta, mas nunca vi uma situação em que uma tecnologia ou estratégia pudesse ser aplicada a todos os projetos.

Para ser um grande cientista de descoberta de medicamentos, você deve ser bem versado em todas as diferentes tecnologias, ferramentas e estratégias e avaliar o quanto cada uma se adequa para cada projeto. Sempre haverá ressalvas ou diferenças entre projetos individuais de pesquisa de medicamentos que tornam uma situação diferente da outra.

Por exemplo, a IA não vai ajudar em todos os projetos. São tantas as coisas diferentes que precisamos avaliar: o alvo, o perfil do medicamento, a doença, a população de pacientes, como o medicamento é administrado, onde o medicamento é administrado, entre outros. Todos esses fatores diferentes afetam cada projeto, tornando-o único e diferente. Nenhuma ferramenta sozinha, como a IA, poderá ser a solução certa para todos os projetos, sempre.

CAS: Esse é um ótimo ponto para se considerar, escolher a tecnologia certa para cada projeto! Vamos mudar de assunto e falar sobre a descoberta de medicamentos em geral, começando com moléculas pequenas. Por que desenvolver terapias com moléculas pequenas? Agora temos terapias de proteínas e anticorpos, terapias celulares e genéticas, anticorpos droga-conjugada, oligonucleotídeos antisenso... Onde as moléculas pequenas se encaixam?

Ben: Essa é uma ótima pergunta e demonstra o que eu estava falando: você precisa da tecnologia certa para cada tarefa e não existe uma solução única para todos os problemas! Há certas coisas para as quais os anticorpos são ótimos, certo? Eles têm uma meia-vida super longa no plasma, então basta dar uma dose por mês, e eles têm uma capacidade de ligação ao alvo extraordinariamente eficiente. Mas, pelo lado da limitação, eles são muito caros de fabricar, difíceis de estabilizar, difíceis de distribuir e precisam ser injetados, o que não é a via ideal de administração. Por fim, e talvez o mais importante, cientificamente, eles quase não atravessam as membranas celulares, a menos que sejam projetados ou manipulados de maneira específica. Portanto, você não pode atingir alvos biológicos intracelulares ou intramembrana, a menos que eles se estendam além da membrana celular ou do tecido.

Este é provavelmente o maior fator que diferencia as moléculas pequenas e os produtos biológicos em geral: com moléculas pequenas, podemos otimizar as propriedades para entrar em qualquer tipo de tecido que desejar, em qualquer parte do compartimento celular que desejar. Além disso, paralelamente, podemos otimizar as propriedades de ADME ou DMPK para que o medicamento possa ser administrado em um comprimido ou cápsula oral, que provou ser a forma preferida dos pacientes para tomar medicamentos.

Moléculas pequenas também são geralmente mais baratas para fabricar e têm melhores propriedades de armazenamento, estabilidade e distribuição.

Mas, reforçando, haverá cenários em que seu programa de pesquisa de medicamentos é perfeitamente adequado para uma modalidade terapêutica biológica ou qualquer uma das novas modalidades terapêuticas, como terapias celulares, radioligantes, CRISPR e assim por diante.

Há todos os tipos de novidades empolgantes sendo desenvolvidas e entrando no mercado agora, mas nenhuma dessas tecnologias se aplicará a todos os projetos de descoberta de medicamentos.

CAS: Por falar em projetos de medicamentos, você pode nos contar um pouco sobre a sua missão na Via Nova Therapeutics?

Ben: Claro! Queremos causar impacto em importantes doenças virais que as grandes empresas farmacêuticas estão ignorando. A Via Nova foi um spin-off da Novartis feito por Don Ganem e Kelly Wong. Queríamos não apenas continuar trabalhando nos programas que já havíamos iniciado, mas também mergulhar em novas áreas de pesquisa, com foco em doenças virais que as grandes empresas farmacêuticas não têm recursos adequados.

As grandes empresas farmacêuticas normalmente não colocam muito esforço em doenças virais, a menos que sejam crônicas, como a hepatite e o HIV. Mas há muitas necessidades não atendidas além dessas. A COVID foi um grande lembrete disso. Na Via Nova, trabalhamos com doenças virais agudas e subagudas, muitas delas sem tratamento, como o BK poliomavírus.

CAS: Em nossa última pergunta, vamos lhe dar uma varinha mágica para consertar o que quiser no processo de descoberta de medicamentos. O que você consertaria?

Ben: Acho que o maior problema em nossa indústria, na verdade, são dois.Primeiro, o público em geral realmente não entende como os fármacos são descobertos e quanto tempo, esforço e dinheiro são necessários para desenvolver novos medicamentos.Mais transparência e educação sobre a indústria biofarmacêutica beneficiariam a todos.

Em segundo lugar, acho que nosso paradigma sobre como a pesquisa de descoberta e desenvolvimento de fármacos é financiada é um tanto limitado, porque tudo é essencialmente financiado com fundos privados. O dinheiro vem do mundo dos investimentos ou do mundo financeiro, e os controladores são todos capitalistas. Os projetos que obtêm mais apoio não são necessariamente os mais importantes para os pacientes, mas os que estão determinados a ter o maior potencial de geração de lucro. Essas decisões são todas reduzidas no nível científico, onde um cientista pode ter uma ideia brilhante para um novo medicamento que curaria completamente uma doença para a qual não há medicação disponível atualmente. Mas, se houver um número limitado desses pacientes em todo o mundo, essa não é uma estratégia de negócios viável e esse projeto provavelmente não receberá apoio.

Acho que toda essa questão de como a pesquisa médica e a pesquisa de descoberta de medicamentos são priorizadas e financiadas terá, a longo prazo, algumas consequências negativas sobre quais doenças são priorizadas e o preço dos medicamentos. Conscientização e educação mais gerais sobre como nossa indústria é financiada e como é desafiador conseguir financiamento podem levar a um grupo mais amplo de pessoas pensando em como resolver esse problema e gerar novas ideias e novos modelos de como financiar pesquisas, seja por fontes governamentais ou sociais.

Afinal, entrei na descoberta de medicamentos para fazer medicamentos que possam tratar ou até mesmo curar doenças. Devemos nos certificar de que fabricamos medicamentos de que os pacientes precisam, não apenas os que vão gerar mais lucro.

Ben has been working as a medicinal chemist since 2011. After completing his postdoc, he joined Novartis, where he conducted discovery-phase research for oncology indications. While at Novartis, he transitioned to infectious disease drug discovery. He then joined Via Nova Therapeutics, a Novartis antiviral spinout founded by Don Ganem and Kelly Wong, when Novartis exited the infectious disease space.