Como seu microbioma intestinal está ligado à depressão e ansiedade

Rumiana Tenchov , Information Scientist, CAS

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O microbioma intestinal é como um órgão adicional do corpo humano

O corpo humano abriga uma grande coleção de micro-organismos, principalmente bactérias, mas também vírus, protozoários, fungos e arqueas. Juntos, são conhecidos como microbioma. Microbiota intestinal, flora intestinal ou microbioma são os micro-organismos que vivem no trato digestivo de humanos e outros animais. Enquanto algumas bactérias estão associadas a doenças, outras são particularmente importantes para muitos aspectos da saúde. Na verdade, existem mais células bacterianas no corpo humano do que células humanas. Há aproximadamente 40 trilhões de células bacterianas em relação a apenas 30 trilhões de células humanas. Esses micróbios podem chegar a pesar tanto quanto o cérebro. Juntos, eles funcionam como um órgão adicional do corpo humano e desempenham um papel fundamental na saúde humana. O genoma coletivo do microbioma intestinal supera em mais de 100 vezes a quantidade de DNA humano no corpo. Considerando esse enorme potencial genético da microbiota, prevê-se que ela desempenhe um papel em praticamente todos os processos fisiológicos do corpo humano. As bactérias intestinais têm sido associadas a várias doenças mentais, e descobriu-se que pacientes com vários distúrbios psiquiátricos, como depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia e autismo, apresentam alterações significativas na composição de seus micro-organismos intestinais.

O interesse pelo microbioma intestinal relacionado à saúde humana e, especificamente, à saúde mental, vem aumentando exponencialmente a partir do ano 2000, conforme demonstra uma busca no CAS Content CollectionTM. Atualmente, existem mais de 7.000 publicações sobre o microbioma intestinal relacionado à saúde mental (Figura 1).

Gráfico do número anual de publicações relacionadas ao microbioma intestinal relacionadas à saúde mental no banco de dados do CAS
Figura 1.  Número anual de publicações que abordam o microbioma intestinal e a saúde mental no CAS Content Collection no período de 2000 a 2021.

 

Os bebês adquirem sua primeira dose de micróbios no nascimento. Desenvolvimento do microbioma intestinal humano

De forma geral, acredita-se que o útero é um ambiente estéril e que a colonização bacteriana começa durante o nascimento. O microbioma de um recém-nascido varia de acordo com o tipo de parto: o microbioma de bebês nascidos por via vaginal é semelhante ao microbioma vaginal materno e o de bebês nascidos por cesariana se assemelha ao microbioma da pele materna. Vários outros fatores afetam o microbioma neonatal em desenvolvimento, como nascimento prematuro e forma de alimentação. O principal determinante da composição do microbioma intestinal ao longo da vida adulta parece ser a dieta. Mudanças rápidas na composição do microbioma acontecem em resposta a mudanças na ingestão alimentar. São perceptíveis padrões característicos em dietas à base de vegetais versus dietas baseadas em animais. Vários outros fatores também afetam o desenvolvimento e a alteração do microbioma intestinal. A exposição ao estresse é o segundo fator mais importante (depois da dieta) que afeta a composição do microbioma intestinal, de acordo com uma busca no CAS Content Collection. Outros fatores incluem: tipo de parto e método de alimentação infantil, condições ambientais, medicamentos, estágio e modo de vida, comorbidades e procedimentos médicos (Figura 2). Uma ruptura na homeostase da microbiota causada por um desequilíbrio em sua composição funcional e atividades metabólicas, ou uma mudança em sua distribuição local, é denominada disbiose, indicando desequilíbrio microbiano ou má adaptação.

Diagrama dos principais fatores que afetam o microbioma intestinal
Figura 2.  Principais fatores que afetam o microbioma intestinal


Considerando o agora reconhecido papel significativo da dieta na composição do microbioma intestinal e o impacto vital do microbioma intestinal na saúde, a pergunta de um milhão de dólares permanece: qual é a dieta benéfica e, portanto, recomendável para manter nossas bactérias intestinais felizes? Embora não haja uma resposta definitiva e inequívoca apontando certos alimentos como um remédio específico para doenças, foram descobertas algumas diretrizes importantes. Uma dieta rica em fibras afeta explicitamente a microbiota intestinal. A fibra alimentar só pode ser digerida e fermentada por enzimas da microbiota que vivem no cólon. Os ácidos graxos de cadeia curta são liberados por causa da fermentação, o que reduz o pH do cólon. O ambiente altamente ácido determina o tipo de microbiota que sobreviverá. O pH mais baixo limita o crescimento de certas bactérias nocivas, como Clostridium difficile. Alimentos ricos em fibras, como inulina, amidos, gomas, pectinas e frutooligossacarídeos tornaram-se conhecidos como prebióticos porque alimentam nossa microbiota benéfica. Em geral, são encontradas grandes quantidades dessas fibras prebióticas em frutas, vegetais, feijões e grãos integrais, como trigo, aveia e cevada. Outra classe de alimentos altamente benéficos é a dos que contêm probióticos, bactérias vivas que são boas para o sistema digestivo e podem melhorar ainda mais nosso microbioma intestinal. Estes incluem alimentos fermentados, como kefir, iogurte com culturas ativas vivas, vegetais em conserva, chá de kombucha, kimchi, missô e chucrute.


Participantes da microbiota intestinal

A microbiota intestinal humana é dividida em diversos grupos chamados de filos. A microbiota intestinal é composta basicamente por quatro filos principais, que são Firmicutes, Bacteriodetes, Actinobacteria e Proteobacteria, sendo que os Firmicutes e Bacteroidetes representam 90% da microbiota intestinal. A maior parte das bactérias reside no trato gastrointestinal, sendo que a maioria delas é predominantemente anaeróbica, ficando alojadas no intestino grosso (Figura 3).  

Ilustração das bactérias participantes da microbiota intestinal
Figure 3.  Bactérias participantes da microbiota intestinal 


O eixo intestino-cérebro – o microbioma intestinal como o “segundo cérebro”

Está agora bem estabelecido que o intestino e o cérebro estão em constante comunicação bidirecional, da qual a microbiota e sua produção metabólica são um componente importante. Michael Gershon chamou o sistema digestivo de “o segundo cérebro” em seu livro de 1999 , na época em que os cientistas começavam a perceber que o intestino e o cérebro em humanos estavam engajados em um diálogo constante e os micróbios intestinais modulavam significativamente a função cerebral. 

Agora é uma crença comum que a microbiota intestinal se comunica com o sistema nervoso central por meio de rotas neurais, endócrinas e imunes e, consequentemente, controla a função cerebral. Estudos demonstraram um papel fundamental da microbiota intestinal na regulação da ansiedade, do humor, da cognição e da dor. Assim, o conceito emergente de um eixo microbiota-intestino-cérebro sugere que a modulação da microbiota intestinal pode ser uma estratégia eficaz para o desenvolvimento de novas terapias para distúrbios do sistema nervoso central.

A microbiota intestinal e a covid-19

Recentemente, foi relatada uma correlação entre a composição da microbiota intestinal e os níveis de citocinas e marcadores inflamatórios em pacientes com covid-19. Isso sugere que o microbioma intestinal esteja envolvido na magnitude da gravidade da covid-19 por meio da modulação das respostas imunes do hospedeiro. Além disso, a disbiose da microbiota intestinal pode contribuir para sintomas persistentes mesmo após a cura da doença, enfatizando a necessidade de entender como os microrganismos intestinais estão envolvidos na inflamação e na covid-19.

Metabólitos neuroativos microbianos do intestino

Anormalidades no eixo microbiota intestinal-cérebro surgiram como um fator-chave na fisiopatologia da doença neural, portanto, é dedicada uma quantidade crescente de pesquisas à compreensão do potencial neuroativo dos produtos do metabolismo microbiano intestinal. Assim, os principais metabólitos microbianos neuroativos do intestino apareceram como a seguir.

Neurotransmissores

O microbioma intestinal produz neurotransmissores, que regulam a atividade cerebral. A maioria dos neurotransmissores do sistema nervoso central também estão presentes no trato gastrointestinal, onde exercem efeitos locais, como modulação da motilidade intestinal, secreção e sinalização celular. Os membros da microbiota intestinal podem sintetizar neurotransmissores, por exemplo, Lactobacilos e bifidobactérias produzem GABA; Escherichia coli produz serotonina e dopamina; Lactobacilos produzem acetilcolina.  (Figura 4) Eles sinalizam o cérebro através do nervo vago.

Estruturas químicas de neurotransmissores produzidos pelo microbioma intestinal
Figura 4.  Neurotransmissores produzidos pelo microbioma intestinal


Ácidos graxos de cadeia curta

Os ácidos graxos de cadeia curta são pequenos compostos orgânicos produzidos no ceco e cólon por fermentação anaeróbica de carboidratos da dieta, que alimentam outras bactérias e são prontamente absorvidos no intestino grosso. Os ácidos graxos de cadeia curta estão envolvidos na função do sistema digestivo, imune e nervoso central, embora existam diferentes pontos de vista sobre seu impacto no comportamento. Os três ácidos graxos de cadeia curta mais abundantes produzidos pelo microbioma intestinal são acetato, butirato e propionato (Figura 5). Sua administração demonstrou aliviar os sintomas de depressão em camundongos. Bactérias gram-positivas anaeróbicas que fermentam fibras alimentares para produzir ácidos graxos de cadeia curta são as bactérias Faecalibacterium e Coprococcus. Os Faecalibacterium são micróbios intestinais abundantes, com funções imunológicas significativas e relevância clínica para uma variedade de doenças, inclusive a depressão.

Estruturas químicas de ácidos graxos de cadeia curta produzidos pelo microbioma intestinal
Figura 5.   Ácidos graxos de cadeia curta produzidos pelo microbioma intestinal

 

Metabólitos de triptofano

O triptofano é um aminoácido essencial que participa da síntese de proteínas. Sua quebra metabólica por enzimas bacterianas (triptofanase) dá origem a moléculas neuroativas com propriedades moduladoras do humor estabelecidas, incluindo serotonina, quinurenina e indol (Figura 6). Verificou-se que a ingestão de triptofano na dieta pode modular as concentrações de serotonina no sistema nervoso central de humanos, e que a escassez de triptofano agrava a depressão.

Estruturas químicas do triptofano, seus metabólitos e ácido lático produzidos pelo microbioma intestinal
Figura 6.   Triptofano, seus metabólitos e ácido lático produzidos pelo microbioma intestinal


Ácido lático

O ácido lático (Figura 6) é um ácido orgânico que se desenvolve principalmente a partir da fermentação de fibras alimentares por bactérias do ácido lático (por exemplo, L. lactis, L. gasseri e L. reuteri), Bifidobacterium e Proteobacterium. Os lactatos podem ser convertidos por várias espécies bacterianas em ácidos graxos de cadeia curta, contribuindo para o pool total de ácidos graxos de cadeia curta. O ácido lático é absorvido pela corrente sanguínea e pode atravessar a barreira hematoencefálica. O ácido lático tem um papel bem reconhecido na sinalização do sistema nervoso central no cérebro. Devido à sua capacidade de ser metabolizado em glutamato, é utilizado como substrato energético pelos neurônios. Também contribui para a plasticidade sináptica e desencadeia o desenvolvimento da memória.

Vitaminas

A maioria das bactérias no intestino, como Lactobacillus e Bifidobacterium, sintetiza vitaminas (particularmente do grupo de vitaminas B e vitamina K) como parte de seu metabolismo no intestino grosso. Os seres humanos dependem da microbiota intestinal para a produção de vitaminas. As vitaminas são micronutrientes essenciais com papéis onipresentes em uma infinidade de processos fisiológicos no corpo humano, incluindo o cérebro. Os transportadores ativos os levam por meio da barreira hematoencefálica. No sistema nervoso central, seu papel se estende desde a homeostase energética até a produção de neurotransmissores. As deficiências de vitaminas podem ter um efeito negativo importante na função neurológica. O ácido fólico (vitamina B9) é uma vitamina de origem microbiana que está amplamente envolvida na patologia da depressão.

Perspectiva

Um recente e inovador tratamento experimental, o transplante de microbiota fecal, foi testado em ensaios clínicos e considerado extremamente promissor do ponto de vista terapêutico. Nos últimos cinco anos, cerca de 1.000 documentos relacionados a transplantes fecais foram incluídos por ano no CAS Content Collection. Por exemplo, foi relatado que o transplante de microbiota fecal é capaz de resolver 80-90% das infecções causadas por Clostridioides difficile recorrente, que não responde a antibióticos. As implicações únicas para ensaios clínicos usando transplantes de microbiota fecal, que são cada vez mais investigadas como possíveis tratamentos para uma série de doenças, devem ser exploradas rapidamente. 

Atualmente, a pesquisa sobre a modulação do eixo intestino-cérebro por meio da microbiota gastrointestinal é uma ciência emergente inovadora e de vanguarda. Grande parte dos dados disponíveis é baseada em ciência básica ou em modelos com animais, que podem não ser adaptados a intervenções humanas eficazes. Por essa razão, ainda há esperança de chegar ao que representaria o ideal de personalização para nutrição e medicina do estilo de vida, que são as prescrições individualizadas de compostos prebióticos específicos e cepas probióticas. Os esforços contínuos para caracterizar ainda mais as funções do microbioma e os mecanismos subjacentes às interações hospedeiro-micróbio fornecerão uma melhor compreensão do papel do microbioma na saúde e na doença.

Para saber mais sobre como tendências emergentes e novas abordagens estão ajudando milhões de pessoas que sofrem de depressão, ansiedade e TEPT, consulte nosso blog sobre psicodélicos e seu progresso como abordagem terapêutica.